O miúdo nas costas, faminto
O sol queimando
O sol assando
O miúdo nas costas, faminto de alimento
As moscas acariciando-o
E o lixo distraindo-o!
A zungueira zunga, cansada
Na cabeça, o negócio e o sustento
E nos pés empoeirados
O cansaço dos quilómetros galgados
O cansaço da distância percorrida
A zungueira zunga, o miúdo nas costas faminto!
…
Décio Bettencourt Mateus
in "Os Meus Pés Descalços"
Este pequeno excerto do poema de Décio Mateus retrata o “espírito guerreiro” das mulheres angolanas, também conhecidas por Zungueiras. Começo assim o texto desta semana, dedicado a todas as mulheres de Angola, que no passado dia 2 de Março receberam homenagem com a comemoração do Dia da Mulher Angolana… e bem que elas o merecem, são umas autênticas leoas, especialmente as mulheres do pré-guerra. Gordas, magras, altas, baixas, convencem pela conversa transformando um perfume da Avon num perfume Channel. Elas são o embrião do comércio de Angola.
Em média têm sete filhos cada uma, há quem diga que este fenómeno se deva ao facto de só cerca de 6% usarem métodos contraceptivos, o certo é que a programação da TPA (Televisão Pública de Angola) também não ajuda a que este número baixe e por outro lado temos o ego masculino que pode ser rejeitado socialmente senão procriar. Enfim, é tudo a ajudar.
Longe estão os tempos em que o ganha-pão era responsabilidade só dos homens. Agora a sobrevivência passa a ser uma questão de igualdade, mas onde a mulher carrega tudo: carrega a criança às costas, muitas vezes carrega uma às costas e outra dentro da barriga, carrega as robustas cargas para a venda do dia, carrega o sol na cabeça quando sai e retorna com ele, carrega a ingratidão do marido com os copos, carrega as lamentações das crianças, carrega, carrega, carrega…
Carregado de animação também estava o Miami no Domingo à noite. Em noite de derby Sporting-Benfica, muitas eram as camisolas (mais vermelhas que verdes), que assistiam, com olho no burro olho no cigano,
quer ao jogo, quer ao espectáculo que decorre todos os domingos à noite. Nós lá estávamos com a nossa Estrela Blue, a Telma, que no fim-de-semana anterior arrebatou o troféu Canta com Blue nas Escolas. É gratificante ver que podemos ajudar a concretizar sonhos de criança. Estou certo que este dia ficará para sempre na memória da Telma e da sua mãe, afinal de contas foi a primeira vez que ela pisou um palco a sério com honras de casa cheia. Minutos antes da Telma actuar fui ter com ela e disse-lhe:
- Telma, é o teu dia, vais conseguir fazer ainda melhor que na final do Canta Com Blue nas Escolas. A Yola Semedo está aí, mostra-lhe como é. Dedica a tua música a ela e à Blue.
- Já tinha pensado nisso e vou também dedicar esta música a todas as mulheres angolanas, disse ela com algum nervosismo.
Deu um gozo enorme ver o que ela conseguiu fazer em palco. A segurança com que encarou este desafio, deixa-nos convictos de que poderemos estar perante uma futura estrela da música angolana e que bom foi sentir aquele abraço dela no final, agradecendo a oportunidade que a Blue lhe deu para concretizar o seu sonho. Força Telma, vais longe!
Entretanto, esta semana o meu colega açoriano, o André regressou a Portugal quase
dois anos depois de ter abraçado este projecto. Agradeço-lhe, não só pela amizade e pelo companheirismo, mas também por todo o trabalho que fez na área da visibilidade das nossas marcas. Quem visita Luanda é obrigado a reparar nas inúmeras placas da Blue que estão espalhas por toda a cidade. Quando as virem já sabem: é obra do André Lima, um castiço que frequentemente se despedia das pessoas ao telefone com a célebre expressão: Beijo no rabo. Obrigado por tudo amigo, eu tomo conta da tua Kiki!
Beijinhos e abraços,
Conde de Angola
P.S. Dentro de alguns dias volto a Portugal onde devo ficar uns 10 dias. Vou aproveitar para matar saudades de tudo. Quero muito ver o meu filhão lindo com os primeiros sintomas de acne juvenil. O tempo voa! Daqui para a frente… é viver um dia de cada vez e aproveitar os pequenos momentos que a vida me possa dar…